sábado, 16 de abril de 2011

O Caminho de Amor Islâmico

 Este foi um dos primeiros textos que eu li sobre o sufismo (a ciência islâmica do aperfeiçoamento do cárater) e ele me ajudou muito, pois me mostrou a direção até que eu pudesse conhecer o querido Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi. Os dois encontros que tivemos na tekke da Penha mudaram o meu modo de ver as coisas e hoje graças a Deus tenho uma visão mais completa e orgânica sobre a religião do Islam. Não poderia deixar de repostar tão valioso material. 

O Caminho de Amor Islâmico
 
Na busca da união do exterior e interior, os dervixes buscam, no sufismo, o caminho do amor por meio de práticas místicas, sintonizando corpo e coração ao lembrar de Deus
por Laila Ayoub
caminho místico encontrado por alguns muçulmanos para aproximar a realidade interior daquela pregada pela shariah, o conjunto das leis islâmicas: essa seria uma possível primeira e sintética explicação do sufismo. Mas o sufismo não se propõe a ser explicado, senão vivido. E é com o intuito de experenciá-lo que o dervixe, nome dado ao iniciado praticante, vale-se da orientação de um mestre, pertencente a uma ordem. Existem pelo menos 800 ordens sufis, hoje, no mundo. Há cerca de 300 anos, eram mais de três mil, segundo o sheikh Ismail Çimen, da Ordem Halveti Jerrahi.

Um homem rezando o "tasbi", colar de contas muçulmano, que equivale ao rosário cristão
Fundada pelo Pir Nureddin al-Jerrahi, no século XVII, em Istambul, essa ordem possui seguidores em países como os EUA, Chile e Argentina. Já no Brasil, o sufismo é pouco conhecido e praticado. A ordem Jerrahi conta hoje, em São Paulo, com duas tekkés, isto é, espaços para o culto.
Uma delas, em Cotia, onde o sheikh Ismail Çimen reúne um grupo de seis dervixes. Nascido em Istambul, na Turquia, o sheikh mora no Brasil há 11 anos, mas recebeu a autorização para ser mestre há dois anos e meio. Músico, o sheikh Çimen toca ney, a flauta de junco da música sufi, e o alaúde oriental, um instrumento de cordas também utilizado nas cerimônias.
Ao contrário do que se possa pensar, não são apenas árabes, turcos ou nascidos em famílias muçulmanas os que abraçam o sufismo. O próprio sheikh Muhammad Ragip, da tekké da Penha, em São Paulo, é um exemplo de ingresso no Islã a partir do sufismo. Apresentado à religião na Turquia, sheikh Ragip é quem conduz as reuniões semanais às quintas-feiras e domingos. Quanto ao número de freqüentadores, sheikh Ragip afirma ter conhecido desde ordens com três pessoas até milhares. Em São Paulo há também, por exemplo, a ordem Chazulya Iachrotia, que se reúne em São Bernardo do Campo e conta com, pelo menos, 350 pessoas.

Zikr: lembrar de Deus em todos os momentos
Nas paredes da tekké da tarika Halveti Jerrahi, na Penha, pode-se ler, em quadros versículos, do Alcorão e hadiths (dizeres do profeta Mohamed) em árabe. Há ainda fotos de peregrinos em Meca e dervixes dançarinos na Turquia. No encontro, que começou com seis pessoas num final de tarde de quinta-feira, ocorreu primeiro a salat (reza). Repetições de versículos do Alcorão e genuflexões, tudo conforme as normas seguidas por todos os muçulmanos, sufis ou não. A diferença, contudo, é o intuito: a busca interior de um caminho de amor. “O muçulmano, quando faz a oração, faz porque Deus mandou fazer.

Rodopio Dervixe, pintura de Pamela Rigsby de 1996
Os sufis o fazem com certa sabedoria e consciência”, argumenta o sheikh Çimen. Após a oração, acontece o zikr. O termo, que significa lembrança, rememoração, designa a parte da cerimônia na qual, através da repetição dos atributos e nomes divinos de Alá, presentes no Alcorão, ele é lembrado, invocado. Também são entoados seguidamente “La ilaha ill-Allah”, que significa “Não há divindade a não ser A Divindade” e hinos religiosos. O grupo, no zikr, é dividido em três: o mestre, que administra o grupo; os dervixes e os músicos.
Esses dividem-se entre os que tocam os instrumentos de sopro, como a ney, os que tocam os de percussão, como o kanun e o bandir, e os que cantam. A música é tida como fundamental para os sufis. “Ela é entendida como um instrumento para alimentar o amor na prática”, diz o sheikh Çimen. São vários os rituais possíveis na cerimônia dervixe. A Ordem Mehlevi, por exemplo, fundada por Rumi, tem a conhecida samma, na qual são feitos movimentos circulares com uma mão para cima e uma para baixo, que representa o dervixe sendo o instrumento de Deus, recebendo sua benção e transmitindo-a para esse mundo.

Música é tida como fundamental para os sufis
A base da movimentação é para ensinar o corpo a sintonizar-se ao coração. No zikr da tekké da Penha, os dervixes, com instrumentos ou apenas cantando, são orientados pelo mestre, que puxa o coro e os movimentos com a cabeça, ora circulares ora de um lado para o outro. Há dois círculos separados, um de homens e um de mulheres que, depois do zikr, saboreiam um simples e leve jantar – uma sopa de legumes, esse dia. Logo em seguida há outra reza e, finalmente, novo zikr, dessa vez acompanhado por um instrumento percussivo e a ney.

O sufismo
Há várias hipóteses quanto à etimologia da palavra sufi. O termo suf (lã, em árabe), pode ser uma das origens, aludindo aos mantos de lã que vestiam os primeiros sufis. O sheik Çimen, contudo, refuta a justificativa do traje e defende duas outras possibilidades. A primeira, relacionada à expressão ahl al-suffah (“os do sofá”), que designa um grupo de companheiros do profeta que ficavam em sofás, apartados na mesquita de Medina, dedicados à devoção. A segunda, remete à raiz verbal árabe safá, que significa purificar-se, e remete ao entendimento do sufismo como um caminho de pureza.

A submissão do ego guiada pelo mestre
Existe uma hadith que diz que “Aquele que conhece a si mesmo conhece ao seu senhor”. O “a si mesmo” da frase, explica o sheikh Ismail Çimen, remete ao seu ego e os perigos que ele pode representar se não for educado. Assim como Islã quer dizer submissão, o sufismo busca a correção do ego para que este seja um instrumento de satisfação e ligação com o divino, acrescenta o religioso. Para os sufis, a vida do ser humano se resume a uma luta entre o caos e a harmonia, o múltiplo e o único, o egoísmo e o amor.

Mesquita da Imperatriz de Isfahan - Irã
Para ajudar a disciplinar o ego, o dervixe conta com a ajuda do mestre da ordem, o sheikh (nome que significa, na etimologia, ancião). O sheikh é um vetor orientado na direção de Deus, que precisa estar em conexão com Ele e receber certa forma de inspiração. Além disso, é imprescindível o contato com o fundador de sua escola e o estudo por vários anos nela, além de passar por um teste. O teste de iniciação também existe para o dervixe. Não se trata, entretanto, de regras pré-definidas, mas do envio de um sinal que será interpretado pelo mestre.
Pode até ser um sonho, de maneira que o dervixe deve contar todos os seus para seu mestre. O murshid (termo que significa guia para o bom caminho) identifica a capacidade que a pessoa tem de amar e o aspirante a dervixe, de sentir-se confortável com o grupo. Existe, contudo, a possibilidade de uma pessoa não ser iniciada e até de o murshid receber a recomendação de não iniciá-la. Nem todo murshid é um pir, mas todo pir é um murshid.
Pir é o fundador de uma ordem (ou tariqa), aquele a quem o sufismo atribui o ápice do desenvolvimento espiritual no caminho do homem perfeito. O pir atingiu tamanho grau de fusão com o Criador que conseguiu chegar ao êxtase, um estado de consciência ampliada. É o que os sufis chamam de “morrer antes de morrer” para, assim, poder voltar e cumprir a missão de guiar as pessoas pelos estágios de ampliação da consciência.

História e clandestinidade
Os sheiks acreditam que, embora não se apresentasse ainda com esse nome, o sufismo existe desde o profeta Mohamed, que foi o primeiro mestre, assim como foram sufis os quatro califas que o seguiram. Contudo, argumenta-se que as ordens começaram a se mostrar como uma reação ao afastamento da mensagem original do Islã, frente à corrupção que se estendia entre as classes dirigentes. Ordens famosas, como a dos dervixes Mehlevi e sua dança cósmica circular, foram extintas.
Segundo o sheikh Çimen, os Mehlevi, assim como todas as ordens na Turquia, foram proibidos de fazerem seus cultos, quando Kemal Atatürk proclamou a república em 1923. Atatürk baseava a proibição no argumento do ingresso na modernidade. Até 1960, portanto, as ordens existiram secretamente e só sobreviveram as que não necessitassem da música em seu cerimonial em volumes muito audíveis. Devido às alterações do ritual de algumas, os sufis alegam que houve a perda do baraka, isto é, o vínculo espiritual que se estabelece a partir do momento que se pratica, que protege e conduz o fiel. Hoje, contudo, o samma é tido até como dança folclórica, apresentada aos turistas, embora sem o baraka.

Orientalismo sem baraka, um equívoco
O sufismo nunca foi possível sem o Islã. O sheikh Muhammad Ragip explica que essa distorção é fruto da onda orientalista de meados do século 20 e de iniciados que vieram para a América difundir o cerimonial, sem mencionar ou exigir o Islã como base. Os mestres religiosos argumentam, entretanto, que todos os pensadores sufis foram muçulmanos.
Além disso, “toda a ordem sufi tem uma silsila, espécie de mapeamento das iniciações que remontam sempre ao profeta”, lembra o sheikh Ragip. Segundo ele, silsila também identificaria a manutenção do baraka ao longo dos anos. “A prática espiritual sem baraka é nada”. E completa: “Pode até desenvolver concentração e disciplina, mas isso é psicológico e não espiritual”.

O que se pode expressar com palavras não é sufismo
Os sufis desejam uma plena conexão com Deus e, para isso, não acreditam no racional para explicar tudo. Ser sufi é acreditar não apenas no que se vê, mas buscar o contato com o transcendente e metafísico. E para atingi-lo, não é suficiente apenas ler os principais poetas sufis, como Rumi e Attar, donos de célebres obras como “Fihi ma fihi
– O livro do interior” e “Linguagem dos Pássaros”, respectivamente, ou ainda de Omar Khayam, Sa’adi, ‘Attar e Hafiz. A prática é essencial. Sheikh Çimen sintetiza a partir de uma metáfora: “A água não tem um gosto que dê para explicar, o vento não tem cor. Não dá para explicar o amor. O sufismo não é um caminho de informação, mas de experiência”.

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